Em carta-bomba, vice-presidente escreve um desabafo e diz que já deveria ter feito. Ele enumera 11 queixas contra presidente
Em latim, o vice-presidente da República, Michel Temer (PMDB-SP), começa a abertura de uma carta endereçada à presidente Dilma Rousseff (PT), na qual ele enumera 11 pontos que teriam sido responsáveis pelo seu afastamento da petista. “Verba volant, scripta mament”, escreve ele nas primeiras linhas, citando um antigo provérbio que significa: “As palavras voam, os escritos permanecem.” Com o texto, enviado a Dilma, Temer quebrou o silêncio que vinha mantendo desde a quarta-feira passada, quando o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), abriu o pedido de impeachment contra a petista. O documento vazou através do G1 e foi interpretado como um rompimento. “É um desabafo que já deveria ter feito há muito tempo (…) Passei os quatro primeiros anos de governo como vice decorativo”, frisa ele, num momento em que a base está dividida e a Câmara escolhe deputados para a comissão especial que analisa o afastamento da petista do cargo.
Por meio do Twitter, uma das redes sociais da internet, a Vice-Presidência lamentou que a carta privada tenha sido divulgada publicamente. A assessoria do peemedebista negou, inclusive, que o vice tenha proposto um rompimento, mas ressalta, sim, que ele pregou a “reunificação do país”.
O documento do vice, contudo, vai numa linha bem diferente do que explica a assessoria dele no Twitter enquanto petistas reforçam que o próprio PMDB divulgou. O texto de Temer termina com outra polêmica frase: “Sei que a senhora não tem confiança em mim e no PMDB, hoje, e não terá amanhã. Lamento, mas esta é a minha convicção”, arremata, sem esperança de que as coisas melhorem. Ou seja, uma contradição sobre a tentativa de “reunificação”.
Para quem lê a carta de 894 palavras, tem a impressão de que Temer fez um gesto de “adeus”. Antes do desfecho, disse que ele e o PMDB sempre foram vistos como “meros acessórios”, que Dilma o desvalorizou, descumpriu seus acordos e o retaliou, dando inclusive mais valor ao líder do PMDB, Leonardo Picciani (RJ), do que a ele, que exerceu a coordenação política do governo no início do ano.
Entre as queixas, feitas em meio ao momento de maior turbulência de Dilma, ele cita a demissão de pessoas ligadas a ele, como Moreira Franco, lista encontros realizados por Dilma nos quais ele não foi convidado e lamenta que o PMDB jamais tenha sido chamado para discutir os problemas econômicos do país. O documento de Michel Temer, por outro lado, não menciona o nome de Eduardo Cunha, que aceitou o pedido de impeachment contra Dilma, nem a infidelidade do PMDB nas votações da Câmara. Moreira Franco, que preside a Fundação Ulysses Guimarães, inclusive disse na semana passada que o pedido de impeachment era “libertador”.
O desabafo de Temer, que vazou à imprensa, foi feito depois que Dilma afirmou não desconfiar “um milímetro” dele. Também coincidiu com um evento realizado na Fecomércio de São Paulo, onde ele apresenta um documento intitulado “Uma ponte para o futuro”, com a presença de mais de 100 empresários. Nesse encontro, Temer não falou sobre impeachment no palco. O documento foi considerado, nos bastidores, como um programa de governo do PMDB. Depois da meia-noite, Temer ainda se reuniu com o ministro da Advocacia-Geral da União, Luís Inácio Adams, no Palácio do Jaburu, onde também há havia vários aliados seus. (Com informações de agências)
A carta explosiva
"Verba volant, scripta manent" (As palavras voam, os escritos permanecem). Por isso lhe escrevo. Muito a propósito do intenso noticiário destes últimos dias e de tudo que me chega aos ouvidos das conversas no Palácio. Esta é uma carta pessoal. É um desabafo que já deveria ter feito há muito tempo. Desde logo lhe digo que não é preciso alardear publicamente a necessidade da minha lealdade. Tenho-a revelado ao longo destes cinco anos.
Lealdade institucional pautada pelo art. 79 da Constituição Federal. Sei quais são as funções do Vice. À minha natural discrição conectei aquela derivada daquele dispositivo constitucional. Entretanto, sempre tive ciência da absoluta desconfiança da senhora e do seu entorno em relação a mim e ao PMDB. Desconfiança incompatível com o que fizemos para manter o apoio pessoal e partidário ao seu governo.
Basta ressaltar que na última convenção apenas 59,9% votaram pela aliança. E só o fizeram, ouso registrar, por que era eu o candidato à reeleição à Vice. Tenho mantido a unidade do PMDB apoiando seu governo usando o prestígio político que tenho advindo da credibilidade e do respeito que granjeei no partido. Isso tudo não gerou confiança em mim, Gera desconfiança e menosprezo do governo.
Vamos aos fatos. Exemplifico alguns deles.
1. Passei os quatro primeiros anos de governo como vice decorativo. A Senhora sabe disso. Perdi todo protagonismo político que tivera no passado e que poderia ter sido usado pelo governo. Só era
chamado para resolver as votações do PMDB e as crises políticas.
2. Jamais eu ou o PMDB fomos chamados para discutir formulações econômicas ou políticas do país; éramos meros acessórios, secundários, subsidiários.
3. A senhora, no segundo mandato, à última hora, não renovou o Ministério da Aviação Civil onde o Moreira Franco fez belíssimo trabalho elogiado durante a Copa do Mundo. Sabia que ele era uma indicação minha. Quis, portanto, desvalorizar-me. Cheguei a registrar este fato no dia seguinte, ao telefone.
4. No episódio Eliseu Padilha, mais recente, ele deixou o Ministério em razão de muitas "desfeitas", culminando com o que o governo fez a ele, Ministro, retirando sem nenhum aviso prévio, nome com perfil técnico que ele, Ministro da área, indicara para a ANAC. Alardeou-se a) que fora retaliação a mim; b) que ele saiu porque faz parte de uma suposta "conspiração".
5. Quando a senhora fez um apelo para que eu assumisse a coordenação política, no momento em que o governo estava muito desprestigiado, atendi e fizemos, eu e o Padilha, aprovar o ajuste fiscal.
Tema difícil porque dizia respeito aos trabalhadores e aos empresários. Não titubeamos. Estava em jogo o país. Quando se aprovou o ajuste, nada mais do que fazíamos tinha sequencia no governo. Os acordos assumidos no Parlamento não foram cumpridos. Realizamos mais de 60 reuniões de lideres e bancadas ao longo do tempo solicitando apoio com a nossa credibilidade. Fomos obrigados a deixar aquela coordenação.
6. De qualquer forma, sou Presidente do PMDB e a senhora resolveu ignorar-me chamando o líder Picciani e seu pai para fazer um acordo sem nenhuma comunicação ao seu Vice e Presidente do Partido. Os dois ministros, sabe a senhora, foram nomeados por ele. E a senhora não teve a menor preocupação em eliminar do governo o Deputado Edinho Araújo, deputado de São Paulo e a mim ligado.
7. Democrata que sou, converso, sim, senhora Presidente, com a oposição. Sempre o fiz, pelos 24 anos que passei no Parlamento. Aliás, a primeira medida provisória do ajuste foi aprovada graças aos 8
(oito) votos do DEM, 6 (seis) do PSB e 3 do PV, recordando que foi aprovado por apenas 22 votos. Sou criticado por isso, numa visão equivocada do nosso sistema. E não foi sem razão que em duas oportunidades ressaltei que deveríamos reunificar o país. O Palácio resolveu difundir e criticar.
8. Recordo, ainda, que a senhora, na posse, manteve reunião de duas horas com o Vice Presidente Joe Biden - com quem construí boa amizade - sem convidar-me o que gerou em seus assessores a pergunta: o que é que houve que numa reunião com o Vice Presidente dos Estados Unidos, o do Brasil não se faz presente? Antes, no episódio da "espionagem" americana, quando as conversar começaram a ser retomadas, a senhora mandava o Ministro da Justiça, para conversar com o Vice Presidente dos Estados Unidos. Tudo isso tem significado absoluta falta de confiança;
9. Mais recentemente, conversa nossa (das duas maiores autoridades do país) foi divulgada e de maneira inverídica sem nenhuma conexão com o teor da conversa.
10. Até o programa "Uma Ponte para o Futuro", aplaudido pela sociedade, cujas propostas poderiam ser utilizadas para recuperar a economia e resgatar a confiança foi tido como manobra desleal.
11. PMDB tem ciência de que o governo busca promover a sua divisão, o que já tentou no passado, sem sucesso. A senhora sabe que, como Presidente do PMDB, devo manter cauteloso silencio com o objetivo de procurar o que sempre fiz: a unidade partidária. Passados estes momentos críticos, tenho certeza de que o País terá tranquilidade para crescer e consolidar as conquistas sociais. Finalmente, sei que a senhora não tem confiança em mim e no PMDB, hoje, e não terá amanhã.
Lamento, mas esta é a minha convicção.
Fonte : Diário de Pernambuco
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